No 3 ANO I Maio / Junho 1996


Editorial



ASSIM FICA FÁCIL: A CULPA É DA JUSTIÇA


Hoje, no Brasil, está muito "fácil" resolver-se grandes problemas nacionais, seja o do bem-estar do homem, ou o da melhor distribuição de bens, ou o da segurança da comunidade. Para qualquer desses males sociais (com a participação dos setores políticos e econômicos), basta, para alguns falsos salvadores da pátria, trazer-se ao centro da discussão, como culpados, órgãos que não deveriam estar nesse contexto.

A solução está aí, posta diariamente, pela grande mídia nacional: deve-se atingir a Justiça, a Justiça Militar, principalmente a Justiça Militar Estadual, ou propondo-se a sua extinção ou reduzindo-se a sua competência. Assim se fazendo, afirmam eles, resolvemos todos esse grandes males de nossa sociedade.

Por exemplo, se o problema é o menor de rua, subtrai-se a competência das Justiças Militares Estaduais para os crimes de policiais militares. É o caminho encontrado pela CPI do Menor, quando uma (parece que a única) conseqüência foi o PLC 102/93, se bem que o projeto de lei original da deputada federal Rita Camata, e Presidente dessa CPI, previa a extinção das JMEs.

Agora, de onde vieram esses menores de rua, a razão para isso, como eles vivem nas ruas, quais as formas de retirá-los, parecem fatos secundários, tanto que sequer implementou-se o Estatuto da Criança e do Adolescente SCROLLING="no"> (ECA).

Não só eles continuam lá, como o seu número, infelizmente, aumenta. E, para piorar, e a CPI do Menor concluiu em seu relatório, o fato que a motivou enormemente foram as mortes de menores da chamadas chacinas da Candelária e de Vigário Geral, envolvendo policiais militares, mas que na verdade configuravam, desde o início, crimes de competência da Justiça Comum. Nunca estiveram sob a égide da JME, no caso, a do Estado do Rio de Janeiro.

Por outro lado, se quiser resolver o problema da reforma agrária, deve-se, de acordo com esses embusteiros, verdadeiros profissionais da enganação, atingir as JMEs, e assim estar-se-ía dando o maior passo para chegar-se à solução da distribuição de terras neste país de proporções continentais.

Agora, ensejar-se o acesso de todo o brasileiro ao seu ganha pão, dar-se uma gleba de terra para uma família, possibilitar-se a exploração, orientar-se na plantação e no bom uso dos recursos, cuidar-se do bem estar e do futuro das crianças dessas famílias, parecem fatos menores. Tanto assim é que, passam-se os anos, os governos, e os mesmos fatos degradantes continuam.

Em editorial intitulado "Pela reforma agrária", o jornal "Folha de S. Paulo" (21/05/96) teceu várias considerações, apresentando caminhos para chegar-se ao grande objetivo. Em nenhum momento foi tocado em Justiça Militar Estadual.

Da mesma forma, o atual ministro extraordinário de Política Fundiária, Raul Jungmann, comentou, em artigo no mesmo jornal (02/06/96) chamado "Uma nova reforma agrária", sobre o tema, invocando a participação de todos, mas, de igual forma, não tocou nas JMEs.

Fala-se, no momento, em se solucionar o problema dos direitos humanos no Brasil. O Presidente da República faz um Programa Nacional dos Direitos Humanos. E qual é o ponto mais importante? Sem dúvida, para os arautos da empulhação, será reduzir-se drasticamente a competência das JMEs, retirando-se a sua competência quanto aos crimes cometidos por policiais militares em serviço de policiamento.

Agora, proporcionar-se uma melhor distribuição de renda, garantir-se uma boa educação escolar às crianças, dar-se recursos para as famílias terem uma vida mais condigna, melhorar as condições materiais do Poder Judiciário, redigir-se leis mais adequadas à realidade nacional, combater-se a violência de forma rápida e constante, venha ela de um indivíduo ou de representante do Estado, reestudar-se e reaparelhar-se o sistema policial, com melhores salários e equipamentos, reestruturar-se o sistema penitenciário, tudo isso deve fica para depois. Talvez para o futuro. Quem sabe um dia...

E assim vamos nós, brasileiros. E assim vamos nós, das Justiças Militares Estaduais, a termos que ficar na defesa, dia-a-dia, para dizermos que as JMEs, o Poder Judiciário, os Magistrados, todos, não somos as razões das maiores mazelas nacionais.

Como se não bastasse os ataques às JMEs, resolveram os dirigentes nacionais ferir mais ainda os Poderes Judiciários dos Estados, desta feita ao proporem, dentro do mesmo Programa Nacional de Direitos Humanos, à Justiça Federal a atribuição para julgar os crimes praticados em detrimento de bens ou interesses sob a tutela de órgão federal de proteção a direitos humanos, como se aí estivesse a solução para tudo.

E o que agride ainda mais a Justiça dos Estados foram as razões aventadas, eis que, segundo esse programa, "as lesões aos Direitos Humanos ficaram sob a égide do aparelhamento policial e judicial dos Estados Federados que, em face de razões históricas, culturais, econômicas e sociais, têm marcado sua atuação significativamente distanciada dessa temática".

É uma leviandade, um verdadeiro desrespeito ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, aos Advogados e a todos que trabalham nas justiças estaduais.

Proposições como essas, aleivosias como as que são levantadas contra a Justiça dos Estados, estão a merecer uma resposta mais contundente e, acima de tudo, a mostrar que se deve reexaminar o equilíbrio entre a União e os Estados e o Distrito Federal, e procurar-se uma melhor distribuição dos Poderes - União e Estados, mais o DF - não só no campo da Justiça, mas em todos os setores de atividade dos brasileiros.

Há que se dizer e se repetir sempre: o Poder Judiciário como um todo, as Justiças Estaduais, e nelas as Justiças Militares Estaduais, não são a panacéia da sociedade brasileira. Elas não são as causadores dessas verdadeiras chagas que ainda vemos existir em nosso meio. E, o que é mais importante, a busca das soluções para o menor de rua, para a reforma agrária, para o respeito aos direitos humanos, está dentro da sociedade como um todo, e é responsabilidade direta dos governantes, aqui incluídos os chefes de poderes, mormente o Poder Executivo, principalmente aquele para onde são canalizados os maiores recursos: o da União.

Chega de se querer impingir ao Poder Judiciário a pecha de causador dos grandes males do Brasil!

Como bem se expressou o nosso Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), colega PAULO MEDINA, em artigo no jornal Folha de S. Paulo (edição do dia 04/06/96): "a magistratura exige respeito"!

GETÚLIO CORRÊA

Presidente


RELEMBRANDO


Voltamos a este espaço do JORNAL DA AMAJME para, no espaço de tempo, buscarmos fatos do passado. Recorremos, novamente, ao nosso "JORNAL DA AMAJME/90", o qual, como sabem os colegas, ficou, infelizmente, em seu número inicial mas, pelo seu pioneirismo, pela época em que foi lançado e pelo seu conteúdo, representa para todos os integrantes de nossa AMAJME um documento de grande valor, conforme relato já apresentado na edição do JORNAL DA AMAJME N° 2. E lá, em coluna intitulada "Fatos Pitorescos", em plena "batalha"

da Constituinte 87/88, e com o mesmo personagem - JUIZ CEL PM ANTÔNIO CLÁUDIO BARCELLOS DE ABREU - a quem voltamos a homenagear (de fato) - encontramos um outro relato, quando de sua luta naqueles dias difíceis. VERBIS:

"O Dep. Ibsen Pinheiro inicialmente resistia a nos dar apoio.

O Abreu procura-o, em seu Gabinete.

O eminente Constituinte gaúcho faz considerações e conclui:

'Não se preocupe, Coronel. O ante-projeto que extingue os Tribunais Militares prevê que os Juízes ficarão em disponibilidade. Não perderão o emprego'.

E o Abreu, no ato:

'Estás enganado, tché. Não vim aqui te pedir emprego'."

(COLABORE ENVIANDO SUAS HISTÓRIAS OU ESTÓRIAS DA AMAJME, DA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL OU DA SUA VIDA PROFISSIONAL.


A AMAJME NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO/PALESTRAS


- No último dia 06/06 o Presidente do Tribunal Militar/RS, colega Mathias Nagelstein e o Vice-Presidente da Região Sul da AMAJME, colega Alexandre Aronne de Abreu, participaram do debate acerca da extinção dos Tribunais Militares, com o Deputado Estadual (PT) Flávio Kouyzii e o Presidente do Movimento de Direitos Humanos de Porto Alegre, Jair Krischke, no Programa "Conversas Cruzadas", da TV COM/RBS (canal 36 - UHF).

- No dia 03/06/96 o colega GETÚLIO CORRÊA participou de debate no programa OPINIÃO NACIONAL da TV Cultura/SP com o Deputado Federal Nilmário Miranda (PT-MG).

- No dia 10/05/96, o colega GETÚLIO CORRÊA concedeu entrevista à Rádio CBN de São Paulo, sobre a aprovação do Substitutivo do Senado Federal.

- No dia 15/06/96, o colega GETÚLIO CORRÊA concedeu entrevista, no programa BOM DIA SANTA CATARINA da RBS/TV.

- O colega Presidente ainda foi entrevistado pela Rádio JOVEM PAN/SP, Rádio UNISINOS/RS e em diversos jornais nacionais e regionais.

- No último dia 10/05 o colega UNIVALDO CORRÊA fez palestra para os alunos da 8ª fase (4º ano) do Curso de Direito da UNIVALI (Universidade do Vale do Itajaí/SC), a convite da Coordenadora, Profª. Estanil Weber, versando sobre o tema "A Lei nº 9.099/95 e a Justiça Militar Estadual".


MANIFESTAÇÃO DO SENADOR GERALDO MELO PSDB-RN SOBRE ARTIGO DO PRESIDENTE DA AMAJME


Extrato da Sessão do Senado Federal

Secretaria Legislativa - 207

Subsecretaria de Taquigrafia - 22/05/96

"O Sr. GERALDO MELO - Sr. Presidente, peço a palavra como Líder.

O Sr. PRESIDENTE (Levy Dias) - Concedo a palavra a V.Exª.

O Sr. GERALDO MELO (PSDB-RN. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Casa é testemunha de que tenho sido freqüentemente um crítico severo da imprensa pela forma às vezes injusta como registra ou deixa de registrar o comportamento dos membros desta Case e do Congresso Nacional em geral.

Venho hoje à tribuna para comunicar que, em sentido contrário, isto é, fazendo justiça ao Senado, há dois dias, a Folha de S. Paulo publicou artigo do Professor Getúlio Corrêa, penalista, catarinense, intitulado Uma nova Justiça Militar. Esse artigo analisa a decisão tomada pelo Senado Federal ao aprovar um substitutivo, que tive a honra de propor a esta Casa, ao projeto do Deputado Hélio Bicudo e ao projeto proposto pela Deputada Rita Camata na conclusão dos trabalhos da CPI do extermínio de menores.

Seria importante que a Casa tomasse conhecimento de algumas observações contidas nesse artigo, e, por isso, passo a ler alguns trechos:

"Ao aprovar o substitutivo do senador Geraldo Melo (PSDB-RN), alterando, saliente-se, radicalmente a Justiça Militar, o Senado apenas optou, em essência, pelo Projeto de Lei 102/93."

Esse é uma informação dada a propósito da incompreensão, manifestada pelo autor, em relação às críticas que o Deputado Hélio Bicudo tem feito ao Senado, alegando que há um divórcio entre a Câmara e o Senado nesta matéria.

Diz ainda o articulista que o projeto pelo qual optou o Senado foi aprovado na Câmara por 198 votos a 70, votação até mais expressiva do que aquela obtida quando da votação do projeto do próprio Deputado Hélio Bicudo.

Admite o artigo que a posição do Deputado Hélio Bicudo está sendo acalentada pela ignorância de alguns, que S. Exª aponta, que não compreenderam a profunda alteração que resultou na Justiça Militar.

Vejam os seguintes trechos:

"O Senado, ao acolher o referido substitutivo, nada mais fez do que atender a todos os reclamos das entidades nacionais e internacionais de direito humanos que pretendiam ver casos como da Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru), Corumbiara (Rondônia) e o recente Eldorado do Carajás (Pará) submetidos à Justiça comum.

(...)

Importante ressaltar que a análise da competência, ou seja, a verificação se o crime é doloso, no âmbito da Justiça Militar, será feita por um promotor de Justiça e pelo Juiz de Direito, ambos civis e, evidentemente, sem qualquer vínculo com a organização militar.

(...)

O texto acolhido pelo Senado, além do mais, é coerente e mais amplo do que o projeto do Deputado Federal Hélio Bicudo, ao transferir para o júri não só os homicídios praticados por PMs, mas da mesma forma os de militares das Forças Armadas, dando tratamento igual para a Justiça Militar Federal e para as Justiças Militares Estaduais."

Acredito, Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, que esse artigo repõe com justiça o que foi feito por esta Casa, e, em razão disso, estou encaminhando cópia à Mesa, pedindo a sua transcrição nos Anais da Casa.

Era isso o que queria dizer, Sr. Presidente."


DOUTRINA



CRIMES MILITARES


EDISON LOBÃO - Senador

Vice-Lider do PFL e Presidente da Comissão de Fiscalização e Controle do Senado Federal.

A votação, no Senado, dos projetos transferindo para a Justiça comum o julgamento de crimes cometidos por policiais é um bom exemplo de como se desinforma a opinião pública em nosso País. Um policial do Rio ou São Paulo, por exemplo, envolvido numa daquelas gravíssimas ocorrências que diariamente infernizam tais cidades, teria constrangimento em usar a sua arma sob os riscos do projeto que a oposição desejava ver aprovado. Se matasse o bandido, numa troca de tiros, sofreria o constrangimento de ser julgado por um júri popular, com jurados talvez submetidos a emoções provocadas por diferentes versões; se fosse morto pelo bandido, nada a fazer, tudo bem.

Faz-se no Congresso e na imprensa um cavalo de batalha, alegando-se que a Justiça especializada para as Polícias Militares devia ser eliminada, pois seria um ranço deixado pela ditadura militar.

O julgamento do Policial Militar pela Justiça Militar, previsto na legislação ordinária, foi alçado a nível constitucional pela Carta Magna de 1946 que, em seu art. 124, XII, autorizava os Estados a criarem as respectivas Justiças Militares. Tal preceito foi repetido no art. 136, § 1º, d, da Constituição de 1967 e na atual, onde o § 3º do art. 125 define os órgãos estaduais dessa Justiça especializada, enquanto o § 4º do mesmo artigo estabelece normas de competência ao estatuir que "compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os policiais militares e bombeiros nos crimes militares definidos em lei".

Por outro lado, não se deve esquecer que funciona junto aos órgãos da Justiça Militar um membro do Ministério Público, incumbido de oferecer denúncia, fiscalizar a atuação dos Conselhos e recorrer, contra as sentenças condenatórias ou absolutórias, para a instância superior que é o Tribunal de Justiça de todos os Estados, com exceção de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, que têm Tribunais Militares de segunda instancia. Portanto, a Justiça Militar destinada ao julgamento de policial militar não é fruto de nenhuma ditadura, como se pretende fazer acreditar, ao contrário, como ficou dito, foi consagrada por uma das mais democráticas de nossas Constituições, a de 1946, sem esquecermos a atual, de 1988.

Oportuno lembrar os laços históricos que ligam a Justiça Militar ao Maranhão, pois foi nessa Justiça que João Lisboa brilhou como tribuno e advogado ao defender, em 11 de agosto de 1853, um oficial acusado de crime de insubordinação e desobediência com grave ofensa, logrando obter sua absolvição.

O Senador Geraldo Melo, relator da matéria, recordou episódio ocorrido ao tempo em que governou o Rio Grande do Norte: numa agência do Banco do Nordeste, um assaltante, com uma pistola na mão e uma seringa cheia de sangue contaminado pelo vírus da AIDS, mantinha treze reféns sob sua mira. As tentativas de negociação haviam se esgotado. O assaltante exigia dinheiro e equipamentos que o Estado não dispunha. Dera um prazo de poucas horas para que atendessem suas exigências. Um atirador de elite da PM conseguiu entrar furtivamente na agência do banco. Sabia que, se assustasse o assaltante, ele sacrificaria ao menos um dos treze inocentes sob suas mãos. Atirou para matar e matou o assaltante. A decisão dele antes de disparar, portanto, foi a de matar, porque era preciso matar para salvar treze vidas.

Eis aí um caso típico de homicídio doloso, exercido no estrito cumprimento de um dever legal. Em consequência, sem punição, após o inquérito policial-militar para averiguação do fato.

Da tribuna, tive a oportunidade de lembrar o aprimoramento que se conseguiu na PM do Maranhão. Quando governador, determinei a expulsão dos maus elementos, e o recrutamento dos novos passou a ser por concurso público. Criamos, junto à UEMA, a Academia de Polícia para a formação de Oficiais, que nela ingressam através de vestibular e, nos seus estudos, aprendem o respeito devido aos direitos de cidadania. Portanto, só tinha a me orgulhar da PM do Maranhão, afirmei no meu discurso.

Ao fim dos debates travados no Senado em torno do projeto, foi aprovado o substitutivo do Senador Geraldo Melo (a ser votado ainda pela Câmara), que define num dos seus artigos:

"O processo de julgamento dos crimes de que trata este artigo (do Código Penal Militar, definindo os crimes militares), quando dolosos contra a vida, consumados ou tentados, e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum, exceto quando manifestamente caracterizado no inquérito os casos de excludentes de criminalidade."

O projeto votado pelo Senado é bom. Aperfeiçoou o da Câmara, que não o era. Os que ainda agora se manifestam contrariamente ao trabalho realizado pelos senadores não leram o substitutivo aprovado. Ou, pior ainda, são apenas caçadores de notícia na imprensa.


A LEI Nº 9.099/95 E A JUSTIÇA MILITAR



ÊNIO LUIZ ROSSETTO

Juiz-Auditor/JME/SP

1. DA APLICABILIDADE DA LEI 9.099/95 NA AÇÃO PENAL MILITAR DE NATUREZA CONDENATÓRIA.

A Lei 9.099/95 cuidou de definir as infrações penais de menor potencial ofensivo, com procedimentos oral e sumaríssimos, e trouxe institutos inovadores, sendo "normas de caráter preponderantemente penal as regras contidas nos arts. 74 parágrafo único, 76, 88 e 89" (Ada P. Grinover, Boletim IBCCrim nº 35, de novembro de 1995), e como tal são institutos de direito material a transação penal, a representação para os delitos de lesão corporal leve e culposa, mitigando o princípio da obrigatoriedade da ação penal, e, ainda, a suspensão condicional do processo, levando com isso os chamados operadores do direito penal e processual militar a repensarem tudo aquilo que até então vinha se aplicando na Justiça Castrense, estabeleceu-se um verdadeiro divisor de águas. A radical inovação trazida pelo novo ordenamento jurídico implica em tomada de uma nova consciência por parte de Juízes, Promotores e Advogados. É na oportuna observação feita pela Des. Fátima Nancy Andrighi naquele mesmo Boletim do IBCCrim, a Lei 9.099/95 possibilita que "nós Juízes poderemos desempenhar o papel que nos incumbe de pacificadores sociais, realizando Justiça e viabilizando a convivência humana e a própria arte de viver, oferecendo uma Justiça célere, que é direito do cidadão e, principalmente, dever do Estado."

Da leitura do texto legal percebe-se claramente que a opção do legislador foi a de direcionar os parcos recursos materiais e humanos do Estado no combate ao crime organizado, ao tráfico de drogas, à violência urbana, a improbidade administrativa e à corrupção em certos setores, enfim, objetivou dar resposta à sociedade buscando punir autores desses crimes até hoje impunes, e despenalizando os de menor gravidade.

Feito este preâmbulo acerca do espírito que norteou a edição da Lei 9.099/95, cumpre neste pequeno trabalho abordar se a referida Lei é aplicável ou não no processo penal militar. A melhor doutrina do país é pela aplicabilidade de seus institutos de natureza penal, independentemente da existência de Juizado Especial Criminal. A jurista Ada P. Grinover, sempre respeitada devido sua condição de Professora Titular de Direito Processual Penal na Faculdade de Direito da USP, acrescido a isso fato de ter integrado o Grupo de Trabalho que apresentou o Anteprojeto ao Deputado Michel Temer, que depois foi transformado em lei, ao tratar desta questão no Boletim do IBCCrim, acima mencionado, foi taxativa em afirmar que aqueles dispositivos de natureza penal têm incidência imediata no Processo Penal Militar. Independente de no âmbito da Justiça Militar estarem ou não criados, por lei e funcionando, os Juizados Especiais Criminais Militares, isto porque, segundo a mestra "Nada impede, é claro, que a nova lei federal determine também à Justiça Federal Comum e às especiais penais (militar e eleitoral) a criação dos JECs e aplicação da Lei 9.099/95. Mas enquanto isso não ocorrer, as disposições acima referidas deverão incidir nas causas em andamento nas referidas Justiças, em face do princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica.

Acrescente-se que a renomada autora e os professores Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes e Luiz Flávio Gomes na obra "Juizados Especiais Criminais - Comentários à Lei 9.099/95", reprisaram, na p. 95, que diante do princípio da aplicação imediata e retroativa da lei mais benéfica não: "pode ser empecilho a tal aplicação, decorrente do comando constitucional, o disposto na parte final do art. 61 da lei, que excetua de sua abrangência os casos "em que a lei preveja procedimento especial" (v. comentários). A exceção aplica-se às regras puramente processuais, mas não pode ter incidência quanto às normas penais mais benéficas".

Os autores, ora nomeados, ainda tiveram o cuidado de consignar na página seguinte da obra, a conclusão da Comissão Nacional da Escola Superior da Magistratura, instituída pela Escola Superior da Magistratura com a finalidade de interpretar a Lei 9.099/95, e presidida pelo Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, composta dos Ministros Luiz C. Fortes de Alencar e Ruy Rosado de Aguiar Júnior, dos Desembargadores Weber Martins Batista, Fátima Nancy Andrighi e Sidnei Agostinho Beneti, dos Professores Ada P. Grinover e Rogério Lauria Tucci, e do Juiz Luiz Flávio Gomes, que reunida nos dias 27 e 28 de outubro de 1995, corroborou o entendimento do referido elaborando a seguinte conclusão: Segunda Conclusão: "São aplicáveis pelos juízos comuns (estadual e federal), militar e eleitoral, imediata e retroativamente, respeitada a coisa julgada, os institutos penais da Lei 9.099/95, como composição civil extintiva da punibilidade (art. 74, parágrafo único), transação (arts. 72 e 76), representação (art. 88) e suspensão condicional do processo (art. 89)".

Além dos autores acima referidos, todos de alta envegadura jurídica, e da Segunda Conclusão firmada pela Comissão Nacional da Escola Superior da Magistratura, outros estudiosos do assunto, de igual nomeada, compartilham o mesmo entendimento, assinalando que "o campo de abrangência de suspensão consensual do processo é mais amplo do que o da transação penal, aplicando-se tanto as infrações com rito comum quanto com rito especial, inclusive perante as Justiças Federal, Militar e eleitoral" (in "Juizado Especial Criminal", Pazzaglini et alii Atlas, p. 93).

2. DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO PENAL MILITAR

Alardeia-se não ser aplicável, nesta Especializada, a suspensão do processo, pela expressa referência que faz o art. 89 ao art. 77, do CPB, silenciando quanto ao CPM , pelo que excluiria a legislação penal militar do alcance da Lei 9.099/95, com o devido respeito, é carecedor de qualquer consistência jurídica o argumento, o que o torna insustentável. Em boa hora já se reputou o legislador de preguiçoso, pois, no lugar de numerar os requisitos a serem preenchidos pelo acusado, para que o Ministério Público possa lhe propor a suspensão consensual, preferiu simplesmente referir-se ao art. 77, do CPB, economizando palavras, vale dizer que melhor teria sido se a dicção legal da parte final do art. 89 fosse assim: ...desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos: "a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício".

É a mesma coisa ou não? Claro que sim.

Frize-se que foi opção do legislador ser sucinto. Ademais disso, não é porque o art. 89, da Lei 9.099/95, faz expressa referência ao art. 77, do CPB, que o instituto deixa de alcançar a legislação penal militar, pois ali cuida-se apenas de requisitos para concessão, de modo que preenchidos aqueles requisitos e estando o acusado de acordo com a proposta ministerial, poderá o Juiz lhe conceder o favor legal, sem nenhum óbice.

Também é inaceitável e despida de qualquer reflexão, a ponderação de que em havendo mudanças futuras no art. 77, do CPB, tornando-o mais gravoso para o agente do crime, adotar-se-ia a forma nova em prejuízo do réu. Primeiramente, o juiz só concede o benefício mediante a anuência do acusado, se lhe é gravoso não estará obrigado a aceitar a proposta do MP. Em segundo lugar, repito que o art. 77 cuida dos requisitos para concessão e não das condições obrigatórias ou facultativas a serem observadas pelo acusado no período de prova. Portanto, nessa ordem de idéias a questão cai por terra.

Mostra-se frágil, também, o argumento de alguns de que em se aplicando a suspensão do processo estar-se-ia restabelecendo o "sursis" vedado para aqueles delitos tipicamente militares (arts, 160, 161, 162, 235 e 291, do CPM). É perfeitamente distinguível a suspensão do processo da suspensão da pena, esta necessita para a sua aplicação da existência de uma sentença penal condenatória passada em julgado, enquanto que na suspensão do processo busca-se exatamente o oposto, ou seja, despenalizar. Neste sentido, obtempera Luiz Flávio Gomes (ob. cit, p. 123) que numa "primeira aproximação ao instituto impõe-se desde logo salientar que a suspensão regulada pela lei (era medida reivindicada pela doutrina processual brasileira desde 1961, particularmente por Weber Martins Batista - cfr, 1987. p. 139; v. Ainda: Weber Martins Batista em Jornal do Brasil de 27.09.95, p. 9: Renê A. Dotti, 1980, p. 453; Luiz Flávio Gomes, 1993b, p. 385 ss. ; Ada P. Grinover 1980, p. 403 e ss.) não se confunde com o "sursis" (suspensão condicional da execução da pena), que é instituto tradicional entre nós. Neste último instaura-se o processo, realiza-se a instrução e no final o juiz caso venha condenar o acusado, pode suspender a execução da pena privativa de liberdade por determinado período, durante o qual o condenado cumpre algumas condições."

Há também posição, de fundo doutrinário, no sentido de não ser cabível no âmbito da Justiça Militar, a suspensão do processo, na forma do art. 89, do referido Diploma Legal, lastreada no entendimento de que a expressão "abrangidas ou não por esta lei", compreenderia apenas os crimes apenados com máximo de um ano de prisão previstos na legislação especial a que se refere o art. 61. A Procuradoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, consoante o parecer bem elaborado pelo Dr. Eduardo Roberto Alcântara Del-Campo examinou a consulta feita pelos ínclitos promotores de Justiça Militar acerca da aplicabilidade do instituto e, concluiu com fundamento jurídico norteado pelos autores acima citados ser aplicável sim, nesta Especializada, a suspensão condicional do processo.

O eminente parecerista do Ministério Público trouxe, inclusive, à colação a lapidar lição nesse sentido, de Luiz Flávio Gomes, in "Suspensão Condicional do Processo", p. 145, de que não importa "se o delito tem ou não procedimento especial (envolve, portanto, em tese, crimes eleitorais, porte ilegal de droga para uso, jogo do bicho, abuso de autoridade, etc), não importa de outro lado, se o delito está previsto no Código Penal ou lei especial (envolve, portanto, em tese, sonegação fiscal - alguns crimes -, crimes militares, etc).

Aduziu serem afastáveis as ponderações feitas por seus colegas promotores de ser inaplicável a suspensão do processo, diante da vedação legal do "sursis" para alguns crimes propriamente militares, salientando que o instituto nada tem em comum, a não ser o período de prova, e arrematou o i. membro do MP que "a nova Lei exige mudança de mentalidade. É preciso ver os institutos da lei 9.099/95 como uma maneira de desburocratizar a justiça e permitir uma forma mais célere aos procedimentos decorrentes de infrações mais simples, para reservar aos crimes mais complexos a formalidade da Justiça. O acúmulo de processo e morosidade dos ritos estão por levar a Justiça à estagnação total, estagnação que em última análise, significa impunidade e estímulo ao crime. A Justiça Militar não é exceção. Abarrotada por um sem número de ações, muitas das quais fadadas à prescrição, encontra-se às portas de um evidente colapso. Talvez a suspensão do processo, ou adoção de um Juizado Especial Criminal Militar, respeitas as peculiaridades, venham ser um sopro de vida à Justiça Castrense, portanto, devem ser vistos com bons olhos".

3. DA LEGITIMAÇÃO ATIVA PARA PROPOR A SUSPENSÃO DO PROCESSO

Vem causando polêmica e posições divergentes a legitimidade para propor a suspensão do processo. A Lei nº 9.099/95 estabelece em seu art. 89 que, desde que preenchidos os requisitos legais. O Ministério Público poderá propor a suspensão condicional do processo. Proposta que o acusado pode rejeitar se não lhe convém. O Ministério Público não está obrigado a formular a proposta, mas se preenchidos os requisitos legais deve manifestar, quando do oferecimento da denúncia, seu entendimento contrário à concessão da suspensão. A questão que aflora, no entanto, é quando o Ministério Público fica silente. Pode o acusado propor a suspensão do processo? Pode o Juiz concedê-la de ofício? Deve o Juiz remeter os autos à Procuradoria Geral de Justiça, nos termos do art. 28, do CPP?

Luiz Flávio Gomes (ob. cit., p. 169) enfrentou a questão e sublinhou: "Agir de ofício o juiz pode (há quem pense de modo contrário: Damásio E. de Jesus, por exemplo) nem é o caso de se aplicar o disposto no art. 28 do CPP. Esse artigo só é apropriado para o momento da propositura da ação. Como o juiz não pode agir de ofício neste momento, só lhe resta o caminho de provocar o Procurador Geral da Justiça. No instante da suspensão do processo, a denúncia já foi oferecida. Logo, o art. 28 não resolve a questão, salvo melhor juízo. A solução, destarte, só pode ser a seguinte: o acusado (por força do princípio da isonomia processual, bem estudado pelo Prof. Rogério Lauria Tucci, 1993, p. 164 e ss.) diante da recusa do Ministério Público, e considerando a natureza de direito público sujeito do instituto, desde que presentes os requisitos legais, pode formular o pedido de suspensão e nesse caso o juiz estará obrigado a emitir um provimento jurisdicional. Ouvirá o Ministério Público antes e em seguida decidirá, podendo suspender o processo" E arremata Luiz Flávio Gomes, com clareza que lhe é tão peculiar, sentenciando para ouvidos moucos e espíritos renitentes: "Nenhum direito público, de outro lado, pode ficar fora da tutela judiciária (CF, art. 5º, inc. XXV)".

A legitimação ativa do acusado para propor a suspensão do processo funda-se, portanto, em ser o instituto um direito público subjetivo do acusado (em que pese o não reconhecimento de Marino Pazzaglini Filho et alii, obra citada, p. 94), e, na citada isonomia processual entre autor e réu, de que fala o Prof. Rogério de Lauria Tucci.

Aprendemos com Jellinek que o direito subjetivo é o interesse protegido que dá a alguém a possibilidade de agir. É, portanto, concluiu o Prof. Miguel Reale (in "Lições Preliminares de Direito", Saraiva, 6ª edição, 1979, p. 253) "o interesse protegido enquanto atribui a alguém um poder de querer", e o jurista encerra o seu pensamento dizendo "o direito subjetivo é a possibilidade de exigir-se, de maneira garantida, aquilo que as normas de direito atribuem a alguém como próprio." Ora, forçoso dizer, por conseguinte, que para o MP o verbo poderá propor a suspensão do processo é poder-dever, de maneira que preenchidos os requisitos para a concessão do instituto, o MP como defensor da ordem jurídica (art. 129 da CF) além de poder, tem o dever de formular a proposta prevista no art. 89 da Lei 9.099/95. E o juiz, por sua vez, deve decidir motivadamente.

Do profícuo magistério do Prof. Rogério Lauria Tucci colhe-se o ensinamento inolvidável acerca da isonomia processual, citada por Luiz Flávio Gomes, de que "assegurando-se a todos integrantes da coletividade, indistintamente, a proteção de seus direitos subjetivos materiais, pelos órgãos jurisdicionais, e através do processo, subsiste, também na ação judiciária, o regramento da isonomia (isonomia processual), fazendo as partes que nele atuam por merecerem igual, paritário tratamento..." (ver "Constituição de 1988 e Processo, Regramentos e garantias constitucionais do processo", Saraiva, ed. 1989, p. 40).

Há quem entenda, como é o caso de Damásio E. de Jesus, respeitado jurista, que "nos termos da informalidade e celeridade processual, o juiz, desde que presente as condições legais, deve, de ofício, suspender o processo, cabendo recurso de apelação. A suspensão provisória da ação penal, assim como o sursis tem natureza de medida alternativa. Se o juiz pode aplicar o sursis, que tem natureza punitiva e sancionatória, mesmo em face da discordância do Ministério Público, o mesmo deve ocorrer na suspensão condicional do processo, forma de despenalização. Se o juiz pode aplicar a medida mais grave, seria estranho que não pudesse na mais leve." (ver "Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada". Saraiva, 1996, p.113).

Clarificado está que em sendo direito público subjetivo do réu, e ainda levando em conta que a doutrina é pacífica no sentido de que o acusado pode propor a suspensão do processo na omissão do MP, não resta outra alternativa, senão, desde logo, enfrentar a questão na primeira oportunidade em que as partes e acusado se achem presentes, e no ensejo tentar a conciliação, até porque assim procedendo, na verdade, antecipasse a solução a uma questão de ordem prática e de direito que, seguramente, em breve irá se apresentar, mais cedo ou mais tarde na Superior Instância, em caso de recurso.

Informado pelo princípio de economia processual, o juiz-auditor deve provocar a discussão da viabilidade da aplicação do benefício, até para se evitar que em grau de recurso os autos baixem em razão da retroatividade da norma penal mais benéfica para manifestação ministerial. É razoável e oportuno que as partes discutam a suspensão do processo, e se for o caso o Conselho ou juiz-auditor monocraticamente delibere, não se retornando mais ao debate, em caso de prosseguimento do processo.

4. DA COMPETÊNCIA PARA DECIDIR SOBRE A SUSPENSÃO DO PROCESSO.

Proposta pelo Ministério Público e aceita pelo acusado, tecnicamente orientado pelo seu defensor dativo ou constituído, compete ao juiz-auditor decidir motivadamente suspendendo ou não o feito, no mesmo ato em que recebe a denúncia. Todavia, o instituto alcança o processo penal militar em andamento, pois, embora seja norma processual a Lei nº 9.099/95 possui, porém, o instituto conteúdo de direito material, e como norma penal mais benéfica ao réu retroage por força do mandamento constitucional (art. 5º, inciso XL, CF/88), portanto de eficácia imediata. Nesta última hipótese cabe ao Conselho deliberar. Ainda sobre retroatividade, em recente decisão do TJM/SP, nos autos de Apelação de nº 4131/95, cujo o v. Acórdão é da lavra do eminente juiz Evanir Ferreira de Castilho, mandou-se baixar os autos para o representante do MP manifestar-se sobre aplicação da suspensão do processo.

5. DA ACEITAÇÃO DA PROPOSTA DE SUSPENSÃO DO PROCESSO.

O defensor constituído ou dativo no momento da aceitação ou não da proposta do MP por parte do acusado passa a ter destacado papel, orientando e alertando para as vantagens e desvantagens da aceitação da proposta. A orientação técnica do profissional habilitado afigura-se importante até porque, ao cabo da ação penal, o acusado poderá ser definitivamente absolvido, o que é indiscutivelmente melhor do que aturar anos de período de prova. Ainda que a decisão seja um ato personalíssimo (ninguém pode aceitar a suspensão no lugar do acusado) e também um ato voluntário (devendo o acusado ter consciência das conseqüências que advirão com a suspensão do processo), a decisão a ser tomada pelo acusado deve ser tecnicamente assistida por um profissional do direito.

Em sendo um ato personalíssimo, o processo em que o acusado for considerado revel não será suspenso. E se forem dois acusados, um deles preenche os requísitos e aceita a proposta, o outro não preenche os requisitos ou não aceita proposta. Deve o processo ser suspenso em relação ao primeiro e continuar em relação ao segundo? A resposta adequada é sim, pois, primeiramente, cuida-se do direito individual, público e subjetivo.

6. DAS CONDIÇÕES A QUE FICARÁ SUJEITO O ACUSADO DURANTE O PERÍODO DE PROVA.

A larga competência territorial das Auditorias Militares não pode ser óbice para a concessão da suspensão do processo. A propósito, a situação do acusado que trabalha e serve no interior do Estado ficará sacrificada caso seja obrigado a comparecer à sede das Auditorias, normalmente na Capital do Estado, se for, por exemplo, para cumprir o disposto no inciso IV, do parágrafo 1º, do art. 89. Diferentemente do acusado que tem domicílio na sede da Auditoria.

Contudo, o parágrafo segundo do citado artigo da Lei, confere a possibilidade de se adequar as condições à situação do acusado. Neste passo, os promotores que aqui oficiam estão propondo para os acusados que residem no interior, a substituição daquela condições por uma outra que lhe é menos gravosa, mas de igual efeito, ou seja, que os comandantes militares do acusado informem, periodicamente, a atividade funcional do acusado. Significa dizer que, com boa vontade, é possível aplicar-se a Lei de nº 9.099/95 no âmbito da Justiça Militar estadual, de modo a torná-la ágil e eficaz no julgamento das infrações de menor potencial ofensivo.




SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA



Habeas Corpus nº 3.151


Relator: Min. Edson Vidigal

"HABEAS CORPUS. CONHECIMENTO. RECURSO.

Direito Constitucional do cidadão, o 'habeas corpus' não pode ser ignorado ou não conhecido pela autoridade judiciária competente, sob o pretexto de que outra ação prevista na lei ordinária deveria ser interposta ou se interposta ainda pendente de julgamento. Recurso conhecido e provido para determinar ao Tribunal Estadual o conhecimento do 'habeas corpus' para a apreciação do mérito do pedido."

(J em 10/11/93, D.O. 29/11/93, Boletim de Jurisprudência da LBJ, 32/850 - Banco de dados da Juruá)


Recurso "Habeas-corpus" nº 3.883-7-SP


Relator Ministro Anselmo Santiago

CRIME DE DESACATO PRATICADO POR POLICIAL MILITAR CONTRA PROMOTOR DE JUSTIÇA DO ESTADO JUNTO À JUSTIÇA MILITAR - Ação penal - Trancamento - Constitui crime, previsto no artigo 341 do Código Penal Militar, desacatar autoridade judiciária militar no exercício da função ou em razão dela. Promotor de Justiça do Estado junto à Justiça Militar, por não ser autoridade judiciária militar, não pode ser tido como vítima daquele crime militar. Sendo atípica a conduta do policial militar acusado, cabível, no caso, o trancamento da ação penal. Recurso conhecido e provido. (STJ - 6ª T.; 21.03.1995; maioria de votos) (transcrito da ASSP nº 1946, 10 a 16.04.96, p.29).


TRIBUNAL DE JUSTIÇA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 4.131/95



Apelante: VALTER CAETANO JÚNIOR, Sd PM RE 86 2389-9
Apelada: a Justiça Militar Estadual

Advogado: Dr. Norberto da Silva Gomes - OAB/SP

(Proc. nº 37.550/89 - 2ª Auditoria - 02 volumes)


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal nº 4.131/95, em que é apelante Valter Caetano Júnior, Sd PM RE 86 2389-9 e apelada a Justiça Militar estadual.

ACORDAM os Juízes do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo, sob a Presidência do Excelentíssimo Senhor Juiz Cel QOPM Nelson Monteiro, por maioria, (2 x 1), rejeitado o Parecer do Excelentíssimo Doutor Procurador de Justiça, em preliminar, em baixar o feita à instância originária, ante o benefício de "sursis" a ele concedido por via de condenação, para que seja apreciada eventual oferta e aceitação do "sursis" processual, na forma do artigo 89 da recente Lei nº 9.099/95. Vencido o Excelentíssimo Senhor Juiz Ubirajara Almeida Gaspar que acolhia Parecer Ministerial. Ausente justificadamente o Excelentíssimo Senhor Juiz Presidente, Cel QOPM Antônio Augusto Neves.

Segue o relatório, na forma da peça própria, às fls. 222/224, que integra esta decisão.

Em plenário, sustentou o Doutor Procurador de Justiça, no sentido de se prosseguir no julgamento, inaplicável o "sursis" processual à espécie.

De se passar à motivação.

Indubitavelmente, o apelante foi beneficiado com o "sursis", mercê de condenação à pena mínima, por homicídio culposo (artigo 206, "caput", do CPM). Tal tipo penal tem pena, em abstrato, de um a quatro anos de reclusão. Assim, à luz do disposto no artigo 89, da Lei Federal nº 9.099/95, enquadra-se o apelante no benefício do chamado "sursis" processual, mais benéfico que o resultante da condenação, como até aqui se observou.

Diz aquele dispositivo, supra-referido:

"Nos crimes em que a PENA MÍNIMA cominada for igual ou inferior a 01 (um) ano, abrangidos OU NÃO POR ESTA LEI, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por 02 (dois) a 04 (quatro) anos, desde que o acusado...".

E, prossegue aquele texto, elencando as condições de suspensão do procedimento penal, nos crimes cuja pena mínima seja de até um ano, ABRANGIDOS, OU NÃO, por aquela lei. Evidentemente, ali se enquadra o nosso Código Penal Militar, nos crimes como o deste caso, com pena mínima dentro daquele limite.

Entende-se que, mesmo nesta fase recursal, que atingiu o feito, condenando o réu, sem recurso ministerial os dispositivos daquela recente legislação, sempre que tenham efeitos materiais, devem ser aplicados em eventual benefício do condenado.

Ademais, o próprio Ministério Público, como titular legítimo da acusação pública, não pode ter cerceado o seu direito, de exercer a prerrogativa da atual legislação. À época do oferecimento da denúncia, em 22 de abril de 1989 (fl. 116), não poderia a acusação propor, nem discordar da suspensão do processo, por inexistir previsão legal.

Hoje, porém, o Ministério Público tem tal oportunidade, e, antes que transite em julgado a condenação, é lícito ao acusador público demonstrar seu interesse em tal suspensão processual, até por ser mais benéfica do que o "sursis" penal da condenação decretada.

A se julgar, pura e simplesmente, esta apelação, sem ensejar a manifestação ministerial, estaria cerceada a acusação e quiçá a Defesa, podendo aquela ofertar e esta concordar com o benefício legal.

Até mesmo para dela discordar, eventualmente, deve o Ministério Público ser ouvido, fundamentando sua convicção, ao que poderão o réu e seu Defensor, oporem-se, com recursos cabíveis na espécie.

O eventual consenso entre acusação e Defesa, virá em benefício de ambos, já que o Ministério Público corre o risco atual de, não tendo apelado, ver reformada a decisão condenatória, saindo o réu livre; ao passo que no "sursis" processual, ficariam resolvidas questões relevantes, como a indenização à vítima e sua família, além de incorrer o réu em condições preciosas, no cumprimento dos "sursis" processual, mais úteis à sociedade do que o atual "sursis sem condição alguma.

Por outro lado, para a Defesa, o acordo quanto ao "sursis" processual evita uma provável sucumbência recursal o que levaria à perda da primariedade do réu, com riscos de futura reincidência.

Enfim, o "sursis" processual, a esta altura, é instituto de alta vantagem para ambas as partes, pelo que não se pode impedir o Ministério Público da oportunidade de apreciá-lo, nem a Defesa de discuti-lo com o réu, tampouco o Juizado de primeiro grau de conhecer e decidir a questão.

Assim, evita-se cerceamento de partes e julgadores, colocando a questão nova, "sub judice".

Com os posicionamentos auferidos na instância originária, de duas a uma; ou se suspende a instância, pela oferta e concessão ministerial da suspensão legal do procedimento, aceita pelo réu; ou, não proposta, nem aceita, a suspensão, estar-se-ia dando ensejo ao prosseguimento da fase recursal, sem cerceamento de ambas as partes, além da apreciação judicial da questão, em primeiro grau, com eventual recurso dos interessados.

Assim, inexistindo o risco atual de prescrição, pela pena concretizada na sentença apelada, é de se baixarem os autos à instância de origem, para que se enseje oportunidade à Acusação e à Defesa, até como condição necessária ao prosseguimento do recurso pendente, atualmente.

Ficando prejudicado o mérito, por ora. É de se encaminharem os autos à Auditoria, para observância daquela legislação novel e ainda inaplicada nesta justiça, com todo o respeito a eventual posicionamentos em contrário, o que ensejaria a busca de maiores luzes de Superiores Instâncias.

"Ex positis", outra não poderia ser a decisão.
São Paulo, 14 de dezembro de 1995.
EVANIR FERREIRA CASTILHO

JUIZ RELATOR


TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO


Apelação nº 984.353-0 Mirante do Paranapanema



Relator: Juiz Almeida Braga


DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO - SENTENÇA DE 1º GRAU QUE RECONHECEU O DELITO COMO FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE AGENTES - ACÓRDÃO QUE DETERMINOU A DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO PARA FURTO SIMPLES, DESCARACTERIZANDO O CONCURSO DE AGENTES - SUSPENSÃO DO PROCESSO EM FACE DA APLICABILIDADE DO ARTIGO 89 E PARÁGRAFOS DA LEI Nº 9.099/95 - A classificação do crime descrita na denúncia tem caráter provisório, isto porque, após a colheita de provas, poderá ser dada ao fato definição jurídica diversa da que constar na queixa ou na denúncia. Destarte, a nova definição jurídica outorgada ao fato pode gerar uma desclassificação do delito imputado ao acusado, passando este a ter direito à concessão da suspensão do processo prevista na Lei nº 9.099/95. Sendo assim, o pedido de suspensão do processo, em se tratando de um delito do réu, tem que ser apreciado pelo Poder Judiciário independentemente de ter sido ou não objeto de pedido explícito por parte do réu ou do representante do Ministério Público. Nestes casos. ausentes quaisquer dos pedidos, tem o juiz o dever de propô-la de ofício, desde que o réu preencha os requisitos do artigo 77 do Código Penal, não esteja sendo processado e não tenha sido condenado anteriormente por outro crime. Isto ocorre porque a Lei nº 9.099/95 possui caráter misto, ou seja, encerra dispositivos pertinentes ao direito material e ao direito processual. No tocante ao direito material, dispõem sobre a composição do dano, decadência, aplicação imediata da pena e a suspensão do processo. Ressalta-se, contudo, que a suspensão do processo implica no encerramento da ação penal, sem que haja condenação, e, assim sendo, não pode o juiz reconhecer a desclassificação e aplicar a pena. (TACRIM - 6ª Câmara - J. 03.01.1996; v.u)

(transcrito da AASP nº 1946 - 10 a 16.04.96, p.116 - j)


Apelação nº 158.135-3, 2ª CCrim



Relator: Des. Devienne Ferraz


"SUSPENSÃO DO PROCESSO: DEVER DO JUIZ PROPÔ-LA DE OFÍCIO"

"Suspensão do processo. Pedido do réu. Admissibilidade. Regra de direito material. Aplicação do princípio da retroatividade da Lei Penal favorável. Dever do juiz de propô-la de ofício. Inteligência do art. 89 e seus parágrafos da Lei nº 9.099/95. Julgamento convertido em diligência.

A suspensão do processo implica no encerramento da ação penal sem que haja aplicação da pena. A ação penal é ajuizada e o juiz, após o recebimento da denúncia, pode acolher a proposta do Ministério Público e suspender o processo. Na hipótese do Ministério Público não efetuar a proposta e o réu não a requerer, o juiz tem o dever de propô-la de ofício, pois se cuida de um direito do réu."

(Jornal 18/12/95, v.u.).

(Transcrito do Boletim IBCCrim nº 41/Jurisprudência - Maio/1996)


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